Texto por Daniel Edson
O cidadão comum não é tão livre quanto se acreditava que seria e nem mesmo se está liberto dos riscos que assolam o povo brasileiro há muito tempo. Aliás, os paradigmas criados pela modernidade (sob a óptica ocidental) são repensados e inúmeras incertezas tomam lugar à segurança que se tinha outrora.
As questões estudadas nesta dissertação estão em grande parte atreladas às redes sociais, o que é um problema duplo, primeiramente pela falta de legislação específica, segundo pela amplitude da extensão do possível dano.
Com os olhos na História percebe-se que a simbiose entre o Direito Penal e o Direito Constitucional não se banham nas mesmas águas no mundo da vida. Em uma retrospectiva sobre o primeiro, rememora Nucci
Na época do descobrimento, os portugueses encontraram a terra habitada por índios, que não possuíam um direito penal organizado e muito menos civilizado, aplicando-se penas aleatórias, inspiradas na vingança privada, além de estabelecer, casualmente, algumas formas de composição. Muitas penalidades eram cruéis, implicando em tortura, morte e banimento.
Sem dificuldades, instalou-se a legislação portuguesa, traduzida nas Ordenações do Reino. Inicialmente, vigoraram as Ordenações Afonsinas (1446), da época de D. Afonso V. Posteriormente, passaram a viger as Ordenações Manuelinas (1521), da época de D. Manuel I. Antes das Ordenações Filipinas (1603), do reinado de D. Filipe II, houve a aplicação da compilação organizada por D. Duarte Nunes de Leão, por volta de 1569.
A mais longa delas – 1603 a 1830 – foram as Ordenações Filipinas, que serviam penas cruéis e desproporcionais, sem qualquer sistematização. Somente com a edição do Código Criminal do Império (1830), advindo do projeto elaborado por Bernardo Pereira de Vasconcellos, conseguiu-se uma legislação penal mais humanizada e sistematizada.
Constituiu-se um avanço notável, criando institutos (como, por exemplo, o dia-multa) até hoje utilizados pelo direito brasileiro e também por legislação estrangeira.
Em 1890, aprovou-se o Código Penal da Era Republicana. Sob muitas críticas, acusado de não ter mantido o mesmo nível de organização e originalidade de seu antecessor, foi mantido até que se editou o atual Código Penal (Decreto-lei 2.848/40), da época de Getúlio Vargas, advindo de projeto elaborado por Alcântara Machado.
O Direito Penal passa por constantes transformações, influenciado por diversas correntes. A Constituição também está em contínuo processo de mutação. Todavia, enquanto o primeiro leva dor, angústia e punição, a segunda faz promessas e lança as bases de dias melhores tão esperados.
Retornando ao marquês de Beccaria, cujas palavras se fazem atuais quando aconselha ser melhor prevenir os crimes do que ter que puni-los, sendo que todo legislador sábio deve procurar antes impedir o mal do que repará-lo; pois, uma boa legislação não é senão a arte de proporcionar aos homens o maior bem-estar possível e preservá-los de todos os sofrimentos que se lhes possam causar, segundo o cálculo dos bens e dos males desta vida. Mas os meios que até hoje se empregam são em geral insuficientes ou mesmo contrários ao fim a que se propõem.
Umas das preocupações da Constituição (1988) é a justificativa da pena, principalmente na esfera processual. A orientação penal atual aspira a evitar que a punição seja simplesmente uma retribuição negativa à infração cometida, mas sim uma readequação do delinquente, a fim de que o mesmo consiga conviver socialmente, sem criar embaraços ao projeto da construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Na doutrina de Nucci
O destino da pena, até então, era a intimidação pura, o que terminou saturando muitos filósofos e juristas, propiciando, com a obra Dos delitos e das penas, de Cesare Bonesana, o nascimento da corrente de pensamento denominada Escola Clássica. Contrário à pena de morte e às penas cruéis, pregou o Marquês de Beccaria o princípio da proporcionalidade da pena à infração praticada, dando relevo ao dano que o crime havia causado à sociedade. O caráter humanitário presente em sua obra foi um marco para o Direito Penal, até por que contrapôs-se ao arbítrio e à prepotência dos juízes, sustentando-se que somente leis poderiam fixar penas, não cabendo aos magistrados interpretá-las, mas somente aplicá-las tal como postas. Insurgiu-se contra a tortura como método de investigação criminal e pregou o princípio da responsabilidade pessoal, buscando evitar que as penas pudessem atingir os familiares do infrator, o que era fato corriqueiro até então. A pena, segundo defendeu, além do caráter intimidativo, deveria sustentar-se na missão de regenerar o criminoso.
Elucida o jurista italiano, Baratta, que “a comunidade carcerária tem, nas sociedades capitalistas contemporâneas, características constantes, predominantes em relação às diferenças nacionais, as quais permitem a construção de um verdadeiro e próprio modelo.” Novamente, nas memórias do processualista Carnelutti
Nem aqui seja dito, ainda uma vez, contra a realidade que se quer de fato protestar. Basta conhecê-la. A conclusão de havê-la conhecido é esta: as pessoas creem que o processo penal termina com a condenação e não é verdade; as pessoas creem que a pena termina com a saído do cárcere, e não é verdade; as pessoas creem que o cárcere perpétuo seja a única pena perpétua; e não é verdade. A pena, se não mesmo sempre, nove vezes em dez não termina nunca. Quem em pecado está é perdido. Cristo perdoa, mas os homens não.
Entre discursos de ódio e a hipocrisia dos discursos de aceitação, convivência e paz, há uma instabilidade penal na repressão à delinquência. Nas palavras de Foucault
[…] Quando um indivíduo era acusado de alguma coisa – roubo ou assassinato – devia responder a esta acusação com um certo número de fórmulas, garantido que não havia cometido assassinato ou roubo. Ao pronunciar estas fórmulas podia-se fracassar ou ter sucesso. Em alguns casos pronunciava-se a fórmula e perdia-se. Não por haver dito uma inverdade ou provar que havia mentido, mas por não ter pronunciado a fórmula como devia. Um erro de gramática, uma troca de palavras invalidava a fórmula e não a verdade do que pretendia provar.
Explana o escritor Galeano que “hoje as torturas são chamadas de ‘procedimento legal’, o oportunismo se chama ‘pragmatismo’, o imperialismo se chama ‘globalização’ e as vítimas do imperialismo se chamam ‘países em via de desenvolvimento’.”
Foi percebida neste trabalho uma migração das celeumas que antes envolviam jornais e revistas, e agora aparecem nas redes sociais, por exemplo: o facebook, blogs e twitter. Na visão de Galeano “o dicionário também foi assassinado pela organização criminal do mundo; as palavras já não dizem o que dizem ou não sabem o que dizem, o mundo é isso”.
Quanto a este processo de intensas modificações nos valores, hábitos, concepções, modelos de organização institucional, de produção, perspectivas e riscos, Foucault, citando Kant, lembra que “não são nos grandes acontecimentos que devemos buscar o signo rememorativo, demonstrativo e prognóstico do progresso; são nos acontecimentos bem menos grandiosos, bem menos perceptíveis”.
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É com muito orgulho, que venho parabenizar todos os organizadores e suas equipes de Fé 🙌 Entre Campo Belo e Aguanil! Também quero dizer que gostei dos benefícios do check -Ups na PHS! A todos desejo bom trabalho e muito discernimento em relação a saúde do próximo 🙌